Caso Arroz: Menos marca e mais gestão
Na rizicultura, marinheiro é a palavra que identifica grãos de arroz com casca ou com película que escaparam ao beneficiamento. Nos anos 60 e 70, do século passado, uma famosa marca de arroz nacional explorou muito bem essa relação grão limpo/grão sujo em pacotes de arroz, valendo-se de animações que fizeram muito sucesso à época. Quem tem mais de 55 anos deve lembrar muito bem desses comerciais e do personagem Marinheiro.
Uma avaliação criteriosa da decisão do governo de importar 300 mil de toneladas de arroz, sob a alegação de que a catástrofe climática no Rio Grande do Sul gera riscos de abastecimento, mostra claramente quem é o marinheiro que precisa ser descartado: a incapacidade do Planalto de fazer no setor de abastecimento.
Mesmo com os produtores rurais apresentando números e cenário garantindo que o Brasil não corre o risco de ver as prateleiras dos mercados vazias de arroz, a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB) realizou, na quinta-feira, 6, um grande leilão onde adquiriu 263 mil de toneladas de arroz. Os lotes arrematados pela empresa estatal tiveram preço mínimo de R$ 4,9899 por quilo e máximo de R$ 5 por quilo. No total, essa primeira compra drenou dos cofres públicos R$ 1,3 bilhão
Mas as despesas dessa operação não param nesse patamar. Há de se acrescer mais R$ 630 milhões referentes à equalização dos preços de preços para a venda do produto, segundo informa o próprio governo, implicando num custo/kg de arroz importada da ordem de R$ 2,39.
Portanto, somando-se o custo/Kg do arroz na fase leilão e as despesas com a venda dos grãos, chega-se ao número que realmente conta: R$7,37/Kg como custo final da manobra conduzida pelo governo. Um pacote de R$ 5Kg de arroz acaba tendo um custo global de R$ 36,85.
Na sexta-feira, 7,um dia após o bilionário leilão da Conab, uma das maiores redes de supermercados do Brasil comercializava, no varejo de São Paulo, o pacote de 5 Kg de arroz agulhinha tipo 1 a R$ 34,49. Ou seja, o quilo do grão importado é, na realidade, mais caro do que produto nacional à disposição do consumidor.
A Conab garante que em 60 dias, o arroz vindo de fora chegará às prateleiras custando R$ 8 o pacote de 2Kg (R$ 4/Kg). Em São Paulo, a rede de lojas Armazém Solidário, controlada pela prefeitura de São Paulo, há meses oferece aos cadastrados no CadÚnico diferentes marcas de arroz agulhinha tipo 1 nacional, a preços variando R$ 20,99 e R$ 21,99 o pacote de 5Kg -
em média os mesmos R$ 4/kg do arroz Conab tipo importação -, por conta de uma política de abastecimento que subsidia a compra de alimentos para a população de mais baixa renda.
Fica claro que diante da tragédia climática do Rio Grande do Sul, o Ministério da Agricultura interpretou mal o cenário no setor das rizicultura, onde os produtores garantem que, antes da enchente, a maior parte (80%) da produção de arroz no Rio Grande do Sul já havia sido colhida e que a oferta ao mercado será feita normalmente. Ou seja, quem planta e colhe arroz sustenta: não há risco de desabastecimento.
A injustificada importação de grãos onera as finanças públicas e inunda o mercado com arroz a preço irreal, impactando pesadamente a cadeia produtiva.
Num primeiro momento os preços recuarão, mas isso será por pouco tempo. Vendo-se ameaçado por uma política nacional intervencionista, que mantém o preço artificialmente baixo, o produtor rural se sentirá sem estímulo para plantar. Os desarranjos na cadeia do arroz tendem a ser grandes.
Ao invés de apostar na importação e venda tabelada de arroz, colocando nas prateleiras pacotes de 2 kg com o selo federal Conab, o governo federal deveria ter trilhado o caminho da política regulatória, lançando mão, por exemplo, de subsídios, já que não há risco de vermos cenários de prateleiras e gôndolas esvaziadas.
Ao falarmos em responsabilidade na política de abastecimento, precisamos entender que não se trata da colocação de marca ou selos oficiais em supermercados, mas sim de gestão pública que garanta segurança alimentar à população, sobretudo aquela mais vulnerável.
*Carlos Fernandes atuou como secretário executivo municipal de Segurança Alimentar, Nutricional e Abastecimento de São Paulo.
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