Importação de arroz: da narrativa à realidade
No mês em que a moeda nacional, o Real, completa 30 anos de circulação, vemos o Palácio do Planalto guerreando com o Banco Central (BC), tentando conter, no grito, a desvalorização da moeda nacional, num cenário de alta do dólar. Na terça-feira, 2 de julho, a moeda norte-americana estava cotada a R$ 5,66. A desvalorização cambial acumulada desde o início do ano batia chegava naquele dia em seu patamar mais alto: 16%.
Diante desse cenário cambial, inconformado com as decisões do BC, o presidente da República Planalto mandava um recado: “Nós temos que fazer alguma coisa. Eu não posso falar aqui o que é possível fazer, porque se não eu estarei alertando os meus adversários”.
Ou seja, para o chefe do Executivo o importante não é dizer aos brasileiros quais seriam as ações do governo para gerir a instabilidade cambial, mas sim colocar em primeiro plano cenários e desejos de embates.
Mas eis que sabemos que governo fez alguma coisa, onde a cotação do dólar tem grande impacto: decidiu definitivamente, deixar de lado, o leilão de importação de 300 mil toneladas de arroz, processo naturalmente atrelado à cotação da moeda norte-americana.
Então, palmas para o Planalto, que admite ter avaliado de forma equivocada as conjunturas de mercado? Não, pois ao anunciar que não mais haveria um segundo leilão de importação de grãos – o primeiro fora anulado por conta de falcatruas por parte das empresas concorrentes, algo constatado somente após a conclusão da hasta pública - o ministro da Agricultura e Pecuária e senador licenciado por Mato Grosso, Carlos Fávaro, não reconheceu o óbvio: propor a importação de grãos de arroz foi um crasso erro de gestão.
Mas numa demonstração de falta de humildade em reconhecer equívocos, Carlos Fávaro não só manteve uma narrativa governamental descolada da realidade, como acrescentou novo conteúdo a esse enredo. “O fato real é que, com a sinalização de disponibilidade do governo de comprar arroz importado e abastecer o mercado brasileiro, além da volta da normalidade em estradas, os preços do arroz já cederam e voltamos aos preços normais”, disse Favaro, numa das justificativas dadas para a desistência da importação de arroz, ação que se tivesse sido concluída teria drenado, inutilmente, mais de R$ 1 bilhão
A fala de Carlos Fávaro, agropecuarista e aluno no curso de Tecnologia em Gestão Pública no Centro Universitário da Grande Dourados (UNIGRAN), não se sustenta, pois existe um fato concreto, que explica a oscilação para cima e para baixo do preço do arroz: a dinâmica do mercado.
Já demonstramos nesse blog, mas não custa nada retomar números que mostram como se comportou a curva de preço ao longo de junho, mês em que ocorreu o leilão, posteriormente anulado. Dados Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), órgão da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq – USP), mostram que, em novembro de 2023, mês de pico da entressafra do cereal, a saca de arroz de 50 kg era comercializada por R$ 116. Em abril de 2024, o preço recuava para R$ 105. Em maio, com a tragédia do Rio Grande do Sul, o preço subiu para R$ 116 e no final daquele mês atingia R$ 121, no dia em que o governo anunciou o famigerado leilão. Mas em junho, mês da hasta pública, o que fez cair o preço da saca para R$ 113 foi a entrada do arroz sequeiro, e não a ação do governo, como sustenta o ministro Fávaro.
No fraudulento leilão realizado em 6 de junho foram arrematadas 263 mil toneldas de arroz, numa operação R$ 1,3 bilhão. Naquela dia, 1 dólar valaia R$ 4,91. Ou seja o leilão custou aos cofre públicos US$ 264,7 millhões. Já em 3 de julho, data em que Fávaro anunciava que o governo desitiu do leilão, 1 dólar era cotado a R$ 5, 56. Transportada para o início do segundo semestre, a importação de grãos estaria 11,7% mais cara, fazendo a conta subir em mais R$ 152 milhões.
Diante desse cenário real, o governo federal deveria estar atento a uma paráfrase da célebre frase cunhada pelo economista e marqueteiro James Carville, um dos principais responsáveis pela vitória de Bill Clinton contra George Bush em 1992. “É o mercado, Planalto!”
Carlos Fernandes atuou como Secretário Executivo Municipal de Segurança Alimentar, Nutricional e Abastecimento de São Paulo.
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