Por que mexeram no meu queijo?
A apreensão de queijos artesanais no Rock in Rio levanta um debate importante e que deve ser tratado com seriedade: o Brasil precisa modernizar e desburocratizar a legislação que trata da produção artesanal de alimentos no país
Parece que está em alta lá em Brasília ser o defensor dos queijos artesanais de Minas Gerais. Tem deputado pegando carona na apreensão dos produtos da chef Roberta Sudbrack no Rock in Rio e ganhando capa de jornal com ação marketeira, que pouco ajuda na solução real dos problemas.
A legislação brasileira para o tema é mesmo uma zona.Conheço e acompanhei de perto problemas decorrentes desse imbróglio legislativo nos anos em que estive na Coordenadoria de Desenvolvimento dos Agronegócios (Codeagro) da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, sob a gestão do grande Arnaldo Jardim. A licença em um estado ou município não vale para outros e conseguir a certificação nacional é uma epopeia que às vezes dura anos.
Mas, mais produtivo do que tirar fotos comendo queijo, é o nobre deputado aproveitar-se da sua posição de presidente interino da Câmara Federal, para pautar o assunto de forma consistente. Votar leis que arrumem a casa e facilitem de fato a vida do produtor.
O Brasil precisa avançar nessa questão. Os produtos artesanais são atualmente submetidos a uma legislação que burocratiza uma cultura de produção mais antiga que a história das civilizações. No Brasil produzimos queijos desde que os europeu aportaram por aqui. Estava tudo bem, até que o processo de industrialização pós Segunda Guerra Mundial trouxe consigo regras sob medida para a expansão dos produtos hiperindustrializados, bem no modelo americano.
Nenhum problema com isso. A questão é que a produção artesanal segue existindo e as leis atuais não dão conta dos dois modelos. O resultado é que os fiscais e agentes responsáveis por essa fiscalização, como aqueles da apreensão no Rock in Rio, são treinados para cumprir as regras ineficientes do país. Faltou a eles o bom senso ou a boa vontade para lidar com a situação, mas não há infração. Estão cobertos pela falha na lei.
De toda forma, a sociedade quer e hoje somos capazes de rastrear cadeias produtivas de ponta a ponta. Esta rastreabilidade é importante e deve se aplicar aos artesanais, mas, nesse casos, a cultura deve ser um fator determinante.
Algumas iniciativas nesse sentido já estão em andamento. Há uns cinco anos houve uma mobilização intensa de produtores da Serra da Canastra, da mesma Minas Gerais, que brigaram para que as licenças emitidas pelo estado valessem para o país todo. Essa batalha resultou em avanços lentos, mas significativos.
Uns seis meses atrás tivemos uma atualização do Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (RIISPOA), que, entre outras coisas, contemplou um olhar mais adequado para as pequenas agroindústrias, permitindo, nos caso dos queijos, por exemplo, a fabricação com o leite cru. Até então, a legislação autorizava apenas o uso do leite pasteurizado ou cozido.
No estado de São Paulo existe também um processo já iniciado de regulamentação da produção dos queijos artesanais. Queijos paulistas ganharam recentemente premiações internacionais na Europa e, no entanto, não podem ser comercializados dentro do país, fora do estado, porque a certificação é estadual. Deve entrar nos próximos meses em consulta pública emitida pela Secretaria Estadual de Agricultura e Abastecimento uma proposta para que o estado acate selos de outros estado e vice-versa.
O fato é que a lei precisa ser mudada e o melhor (e talvez o único) caminho é...mudá-la. E a adequação legislativa precisa garantir as condições de trabalho para os produtores e desburocratizar a comercialização de itens que são parte da cultura mundial há mais de oito mil anos. Para o produtor artesanal, a qualidade do seu produto é a garantia da subexistência do seu negócio. Essa relação de confiança entre ele e o cliente está acima de selos e fronteiras.
O estado não pode ser refém das grandes indústrias. A sociedade faz espontaneamente um movimento de retorno às origens, de valorização gastronômica dos alimentos artesanais. A legislação vem mais uma vez a reboque. Antes tarde do que nunca. E, lá em Brasília, antes ação do que mera exposição.
*Carlos Fernandes foi dirigente da Coordenadoria de Desenvolvimento dos Agronegócios, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo. Presidente municipal do PPS – Partido Popular Socialista, é um apaixonado pela gestão pública e também por queijos.
Parece que está em alta lá em Brasília ser o defensor dos queijos artesanais de Minas Gerais. Tem deputado pegando carona na apreensão dos produtos da chef Roberta Sudbrack no Rock in Rio e ganhando capa de jornal com ação marketeira, que pouco ajuda na solução real dos problemas.
A legislação brasileira para o tema é mesmo uma zona.Conheço e acompanhei de perto problemas decorrentes desse imbróglio legislativo nos anos em que estive na Coordenadoria de Desenvolvimento dos Agronegócios (Codeagro) da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, sob a gestão do grande Arnaldo Jardim. A licença em um estado ou município não vale para outros e conseguir a certificação nacional é uma epopeia que às vezes dura anos.
Mas, mais produtivo do que tirar fotos comendo queijo, é o nobre deputado aproveitar-se da sua posição de presidente interino da Câmara Federal, para pautar o assunto de forma consistente. Votar leis que arrumem a casa e facilitem de fato a vida do produtor.
O Brasil precisa avançar nessa questão. Os produtos artesanais são atualmente submetidos a uma legislação que burocratiza uma cultura de produção mais antiga que a história das civilizações. No Brasil produzimos queijos desde que os europeu aportaram por aqui. Estava tudo bem, até que o processo de industrialização pós Segunda Guerra Mundial trouxe consigo regras sob medida para a expansão dos produtos hiperindustrializados, bem no modelo americano.
Nenhum problema com isso. A questão é que a produção artesanal segue existindo e as leis atuais não dão conta dos dois modelos. O resultado é que os fiscais e agentes responsáveis por essa fiscalização, como aqueles da apreensão no Rock in Rio, são treinados para cumprir as regras ineficientes do país. Faltou a eles o bom senso ou a boa vontade para lidar com a situação, mas não há infração. Estão cobertos pela falha na lei.
De toda forma, a sociedade quer e hoje somos capazes de rastrear cadeias produtivas de ponta a ponta. Esta rastreabilidade é importante e deve se aplicar aos artesanais, mas, nesse casos, a cultura deve ser um fator determinante.
Algumas iniciativas nesse sentido já estão em andamento. Há uns cinco anos houve uma mobilização intensa de produtores da Serra da Canastra, da mesma Minas Gerais, que brigaram para que as licenças emitidas pelo estado valessem para o país todo. Essa batalha resultou em avanços lentos, mas significativos.
Uns seis meses atrás tivemos uma atualização do Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (RIISPOA), que, entre outras coisas, contemplou um olhar mais adequado para as pequenas agroindústrias, permitindo, nos caso dos queijos, por exemplo, a fabricação com o leite cru. Até então, a legislação autorizava apenas o uso do leite pasteurizado ou cozido.
No estado de São Paulo existe também um processo já iniciado de regulamentação da produção dos queijos artesanais. Queijos paulistas ganharam recentemente premiações internacionais na Europa e, no entanto, não podem ser comercializados dentro do país, fora do estado, porque a certificação é estadual. Deve entrar nos próximos meses em consulta pública emitida pela Secretaria Estadual de Agricultura e Abastecimento uma proposta para que o estado acate selos de outros estado e vice-versa.
O fato é que a lei precisa ser mudada e o melhor (e talvez o único) caminho é...mudá-la. E a adequação legislativa precisa garantir as condições de trabalho para os produtores e desburocratizar a comercialização de itens que são parte da cultura mundial há mais de oito mil anos. Para o produtor artesanal, a qualidade do seu produto é a garantia da subexistência do seu negócio. Essa relação de confiança entre ele e o cliente está acima de selos e fronteiras.
O estado não pode ser refém das grandes indústrias. A sociedade faz espontaneamente um movimento de retorno às origens, de valorização gastronômica dos alimentos artesanais. A legislação vem mais uma vez a reboque. Antes tarde do que nunca. E, lá em Brasília, antes ação do que mera exposição.
*Carlos Fernandes foi dirigente da Coordenadoria de Desenvolvimento dos Agronegócios, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo. Presidente municipal do PPS – Partido Popular Socialista, é um apaixonado pela gestão pública e também por queijos.
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